E houve mais um protesto em Recife.
Duro, pesado, forte, sangrento.
O povo não tolerou o reajuste no valor das passagens de ônibus.
Passou de R$ 2,00 para R$ 2,15.
Em uma cidade com 217,4 quilômetros ao quadrado.
E houve protesto em Santos.
Mole, leve, fraco, limpo.
Alguns e somente alguns não toleraram o reajuste no valor das passagens de ônibus.
Passou de R$ 2,65 para R$ 2,90.
Em uma cidade com 39 quilômetros ao quadrado.
Recife não foi abençoada pelo pré-sal.
Santos foi.
Há mais de seis anos, dizem.
A exploradora de combustíveis desembarcou no Litoral de imediato e, desde então, procura um local para se instalar, mas não encontra porque os preços dos imóveis saltaram de maneira estrondosa.
"Ah, mas é o pré-sal", dizem.
O pré-sal que justifica o valor total de um imóvel há cinco anos ter se transformado no exato valor de uma das prestações pelo mesmo imóvel.
Mas você tem seis vagas na garagem e terraço gourmet, uma espécie de churrasco na laje com grife.
Pouco importa se o apartamento tem 4 metros ao quadrado.
E o pré-sal justifica o valor da passagem de ônibus.
Não só ele, mas também a idade da frota e da maioria dos passageiros, o que provoca um elevado índice de pessoas que não pagam a passagem.
Houve também o aumento dos combustíveis e o dissídio dos motoristas.
Só dos motoristas, porque em Santos não há cobradores.
"Não é necessário", disse o ex-prefeito que inventou essa moda. "A maioria das pessoas usa o cartão de transporte e não precisa fazer troco. O motorista pode dirigir e cobrar".
Sem receber por isso, é claro. Assim como também é sabido que o dito inventor não utiliza o sistema de transportes, dada a sua excelente condição econômica familiar, sem contar sua péssima vocação para a matemática, já que só nas contas dele o fato de um motorista dirigir e cobrar não atrasa as viagens.
Viagens. Sim, andar de ônibus em Santos é uma viagem.
Não pelas curtas distâncias, mas pelo tempo que se leva para cumprir o trajeto, que dá ao passageiro o direito de viajar nas ideias.
Possivelmente o único direito que um passageiro de ônibus de Santos tenha.
Porque você não tem o direito de se atrasar. Seja qual for a hora e o local, o ônibus irá demorar para chegar ao ponto. Fruto de uma frota reduzida. "É a demanda", justificam.
Morrer com módicos R$ 2,90 não significa necessariamente conforto. Digamos que significa conFORNO, dada a temperatura interna dos coletivos. E nem pense em esperar que o vento alivie o calor. A verticalização da cidade acabou com qualquer vento que costumava vir do oceano, mas tudo bem,é o pré-sal.
Para melhorar, via de regra os ônibus não ultrapassam os 30km/h. O motorista tem muita necessidade de conversar com os amigos que pegam carona e, principalmente, com os que ele encontra ao longo do trajeto. Conversas produtivas, como perguntar da família e sacanear o amigo por causa do time de futebol para o qual ele torce.
O passageiro tem horário? Quem é o passageiro? Nunca ouvi falar nisso.
Ah, mas a frota é nova, os veículos são modernos.
Questão de necessidade.
Vai que apareça um pau véio e as pessoas comecem a achar que o transporte é ruim.
Isso poderia repercutir mal entre os amigos.
Aqueles mesmos que consideram o sistema de transportes modelo, principalmente depois de ultrapassarem um ônibus 0km quando estão a bordo de seus carrinhos com ar condicionado, seguindo para os apartamentos com terraço gourmet...
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